A Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) é uma potência em inovação no Brasil. Frequentemente, ela aparece no noticiário por grandes feitos, como o desenvolvimento de técnicas para detectar tumores cerebrais ou a descoberta de marcadores do vírus da Zika.
É essa mentalidade que permite que os pesquisadores foquem em assuntos que, à primeira vista, parecem pura excentricidade. Esses estudos “fora da caixa” são essenciais, pois, segundo a própria universidade, os problemas mais difíceis de hoje – como a crise do clima – exigem soluções que não são apenas físicas, mas também sociais e culturais.
Seja ao desafiar tabus culturais com o sangue menstrual , ao usar a ficção científica para a crítica social ou ao transformar lixo industrial em alimento de alto valor , as pesquisas mais inusitadas da Unicamp mostram que a excelência acadêmica não precisa ser chata. Pelo contrário, a liberdade de ser criativo e de cruzar diferentes áreas do conhecimento é o que permite à universidade gerar soluções de impacto real para o país. A curiosidade ilimitada é a chave para o futuro da ciência no Brasil.
O Inusitado biológico: sangue menstrual como fonte de células-tronco
O sangue menstrual é um tabu em muitas culturas, tratado como descarte ou algo impuro. Na Unicamp, no entanto, ele virou um recurso de altíssimo valor.
A pesquisadora Daniela Tonelli Manica, do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo Científico (Labjor), liderou um estudo socioantropológico sobre as CeSaM — que são as células-tronco encontradas no sangue menstrual.
Laboratórios parceiros descobriram que as CeSaM são promissoras para a medicina regenerativa e a terapia celular, ou seja, podem ser usadas para curar tecidos do corpo.
O trabalho da Unicamp, que mistura Antropologia com Biomedicina, não se limita a testar as células. Ele acompanha o desenvolvimento dessas pesquisas para entender o que acontece quando o sangue menstrual — que tem uma forte dimensão de gênero — é transformado em algo valioso pela ciência. O projeto busca entender a vida dessas células dentro e fora do laboratório, garantindo que essa inovação também sirva para quebrar o tabu cultural que cerca o corpo feminino.

O inusitado cinematográfico: a chuva que explica a vida moderna
Quem imaginaria que a chuva que cai em um filme poderia ser objeto de uma tese de doutorado? Foi o que fez Wencesláo Machado de Oliveira Junior, em 1999, na Faculdade de Educação (FE) da Unicamp.
O pesquisador usou a chuva como um guia filosófico para analisar narrativas, focando nos “tempos que a chuva cria” na tela.
- Antes da Chuva: Nesse filme, a chuva simboliza a lei imutável da Natureza, o “eterno retorno” dos ciclos naturais.
- Blade Runner: No clássico de ficção científica distópica, Los Angeles é um cenário de chuva constante. O pesquisador a batizou de “CHUVA TECNO-INDUSTRIAL“.
Essa chuva constante em Blade Runner é mais do que um efeito visual. Ela simboliza a alienação e a previsibilidade do tempo cronológico da indústria, onde todos os momentos são iguais, como se fossem feitos em uma linha de produção. A permanência da chuva, que nunca para, representa a monotonia e a sensação de “tempo sem medida” dentro da metrópole industrializada.
Essa tese é um exemplo de como a Unicamp usa a cultura pop (como o cinema) para fazer uma crítica profunda à sociedade.

O inusitado aplicado: transformando lixo cervejeiro em comida e energia
O bagaço de malte – o resíduo que sobra da produção de cerveja – é o lixo mais abundante dessa indústria. Em vez de descartá-lo, a Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp o transformou em uma solução nutricional e ambiental.
A pesquisa descobriu que o bagaço de malte (conhecido como BSG) tem um alto valor nutricional, sendo rico em fibras e com um considerável teor proteico. O objetivo era usá-lo para criar novas fontes de proteína vegetal, em sintonia com a busca por dietas mais sustentáveis.
- Carne Vegetal Aprimorada: O concentrado proteico do bagaço foi adicionado a produtos análogos de carne (substitutos da carne) à base de soja. A adição desse ingrediente inesperado fez com que as fibras do alimento ficassem mais parecidas com as da carne tradicional, deixando o produto mais macio e com maior digestibilidade.
- Churros Nutritivos: A farinha do bagaço de malte também foi usada para substituir parcialmente a farinha de trigo na massa de churros. Essa simples troca enriqueceu o alimento, adicionando alto teor de fibras e proteínas. A pesquisadora responsável, Aurenice Mota da Silva, vislumbra que esse concentrado possa, futuramente, ser usado em suplementos, como um “whey protein de cerveja”.
A inovação não parou na comida. Outros estudos da FEA mostraram que o bagaço também pode gerar energia limpa. Ao tratar o resíduo com ultrassom, antes de transformá-lo em biogás (metano), os cientistas conseguiram um aumento de 27% na produção de gás. Esse metano pode ser usado para gerar eletricidade para a própria cervejaria, e o resíduo final vira biofertilizante, fechando um ciclo completo de sustentabilidade.





