Campinas amanheceu em suspense nesta quinta-feira: os ônibus não saíram das garagens. O público, já acostumado a tragédias, acreditou estar diante de mais um capítulo da luta entre trabalhadores explorados e empresários implacáveis. Mas não — o que se viu foi um espetáculo cuidadosamente ensaiado, uma daquelas produções em que todo mundo finge estar brigando, mas no fim divide o mesmo camarim.
De um lado, o sindicato, empunhando cartazes e megafones, denunciava atrasos salariais. Do outro, as empresas, de súbito surpresas com a situação — como se o fluxo de caixa delas não fosse assunto de diretoria. E no meio do palco, a Emdec, aquela narradora dramática que chora em cena:
“Estamos lutando na Justiça para garantir o direito sagrado do cidadão ao transporte público!”
Mal sabiam os espectadores que o transporte público, naquele momento, era representado por 28 ônibus de cooperativa, convocados pelo mágico Plano Paese — esse feitiço de emergência sempre é um espetáculo de improviso.
Mas o melhor da peça veio no ato final: a Emdec, de toga simbólica e semblante grave, protocolando uma liminar pedindo 100% da frota rodando durante paralisações. Isso mesmo — 100%. Campinas não vê isso nem num dia útil normal, até porque o que quebra de ônibus não está escrito no gibi. Mas, vá lá, o teatro permite sonhar.
Nos bastidores, comenta-se que o enredo tinha um propósito maior: testar o apetite da Prefeitura. Um pequeno ensaio, um curto experimental para medir até onde o poder público aguenta ficar sem ônibus antes de abrir o cofre dos subsídios. O público, claro, aplaudiu confuso — afinal, nessa peça, ninguém sabe bem quem é vilão ou herói. Só quem sai com o bolso cheio.
Enquanto isso, os passageiros seguem como figurantes involuntários: acordam de madrugada, esperam o coletivo que não vem e terminam o dia lendo o release que garante que “tudo foi feito para garantir o transporte essencial”.
O essencial, nesse caso, parece ser o lucro.
E assim termina mais um ato da novela “Mobilidade Urbana em Campinas”: drama, suspense, conveniência e o mesmo final de sempre — a conta vai para o passageiro. E a licitação? Ah, pelo jeito ficou mais ainda em segundo plano.





