A doença renal crônica normalmente têm evolução lenta, é de longa duração e exige tratamento permanente. A hemodiálise é um tratamento para esta doença que consiste na remoção de substâncias tóxicas do sangue, como se fosse um rim artificial, e que exige do paciente idas rotineiras a hospitais ou clínicas especializadas e permanência por longos períodos. As consequências vão além das físicas: o processo pode também trazer prejuízos psicológicos.
A pesquisa da terapeuta ocupacional Claudia Aline Valente Santos foi feita com 42 idosos que fazem hemodiálise e 84 idosos com outras doenças crônicas, a maioria homens. Para medir algo abstrato como o grau de felicidade, pesquisadores trabalham com o Bem-Estar Subjetivo (BES). Por este construto, a ciência verifica a felicidade das pessoas a partir de avaliações que elas mesmas fazem de suas vidas, de acordo com as próprias expectativas, valores, emoções e experiências. Para isso são utilizados o que os cientistas chamam de instrumentos, que incluem escalas e questionários já validados em numerosos estudos. Nas entrevistas dessa pesquisa foram adotados os seguintes instrumentos: Questionário Sociodemográfico e Clínico, Mini Exame do Estado Mental, Escala de Depressão em Geriatria – versão reduzida, Escala de Satisfação com a Vida, Escala de Afetos Positivos e Negativos, Older Person’s Pleasant Events Schedule – BR (cronograma de eventos prazerosos para idosos) e Relógio de Atividades. Dados clínicos foram coletados dos prontuários médicos.
Assim, os idosos responderam a perguntas sobre sua condição socioeconômica, estado de saúde, sintomas depressivos, felicidade, a realização de atividades prazerosas e a organização de seu tempo no cotidiano. “Além de informações sobre saúde, foi possível verificar se o modo como organizavam suas vidas e as atividades que faziam interferiam na felicidade.”
A pesquisadora agrupou as diferentes atividades humanas em algumas categorias: sono e descanso, as atividades de vida diária, estudo, trabalho, lazer, as atividades relaxantes, práticas, contemplativas, de competência e sociais. “Não importa apenas quais atividades as pessoas façam, mas com quem estas atividades são feitas. Avaliamos se a pessoa estava sozinha, com familiares ou socializando com outras pessoas enquanto faziam as atividades”, diz Cláudia.
Apesar de alguns fatores terem efeitos benéficos para os idosos dos dois grupos, “o dos que estavam em hemodiálise se mostrava mais sensível positivamente aos efeitos das atividades relaxantes, de socialização e competência, ou seja, a influência das atividades sobre a felicidade foi muito maior entre aqueles que faziam este tratamento”.
De acordo com a terapeuta ocupacional, ainda existe um certo preconceito ligado à realização desse método de tratamento de doença renal crônica e ao envelhecimento. “É preciso compreender que o tratamento é uma forma de garantir a vida, e a felicidade está associada a melhores estados de saúde.”
Claudia conta que os idosos da comunidade com outros tipos de doenças crônicas apresentaram muito mais enfermidades que os pacientes que faziam hemodiálise. Os da comunidade conviviam com mais doenças e medicações, e apresentavam sintomas depressivos.
Para a pesquisadora, os resultados apontam para a necessidade do acompanhamento de profissionais de saúde mental, tanto para os pacientes em tratamento quanto para os demais. “Esses profissionais são capazes de contribuir para o processo de adaptação e enfrentamento do tratamento hemodialítico, além de ajudar em um envelhecimento mais ativo e saudável.”
De acordo com a pesquisadora, a hemodiálise, no senso comum, é um tratamento cansativo e que causa muito desgaste, além de que muitos ainda questionam o método e o envelhecimento. “Há uma visão estigmatizada e negativa tanto sobre o envelhecimento quanto a respeito de fazer hemodiálise.” Por isso, se torna importante o trabalho para mudar esta visão e melhorar a qualidade de vida e felicidade de quem está em tratamento, visto que ele é a única forma de manutenção da vida, em muitos casos.
Para ela, a sociedade precisa mudar a visão que possui também em relação ao envelhecimento, pois é possível ser feliz nesta fase da vida. “Desenvolvimento de políticas públicas que viabilizem ações preventivas como a melhora do nível de educação e alimentação, criação de dispositivos sociais nos quais as pessoas idosas possam participar de atividades significativas e que respeitem sua história de vida são estratégias para proporcionar felicidade.”
A pesquisa foi realizada no doutorado da terapeuta ocupacional e teve a orientação da professora Luciana Kusumota, da EERP.
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