Conte 90 dias antes da concepção + 280 de gravidez + 730 dos primeiros dois anos de vida. O resultado representa os 1.100 dias mais importantes para a saúde da criança. Estudos mostram que certas atitudes, – a boa nutrição é o maior exemplo – durante essa fase trazem vantagens em longo prazo. Há indícios de que ajude a afastar males como a obesidade e o diabetes na vida adulta – isso sem falar em diversos outros ganhos para mães e bebês.¹
Na fase de planejamento, uma das recomendações é a de estar em dia com a balança. Nem magra demais, nem com excesso de peso. Os extremos levam a uma maior dificuldade para engravidar porque desregulam a produção de hormônios essenciais para a fecundação.
Aqui também vale atenção especial para a adequação dos níveis de nutrientes e suas diferentes combinações, entre os quais o ácido fólico. Essa vitamina, que faz parte do Complexo B, participa do fechamento do tubo neural. Ela faz dobradinha com outras substâncias em uma ação que é fundamental para a formação do sistema nervoso do bebê.
Sua principal parceira é a vitamina B12. E como agem em sinergia, precisam estar em doses adequadas. Na falta de uma, a outra não dá conta de combater malformações.
O ferro merece o mesmo alerta. “A deficiência desse mineral acomete até 30% das brasileiras em idade fértil”, estima Fonseca. Entre muitas funções, ele favorece a boa oxigenação da placenta. Estudos têm mostrado que é necessário apresentar bons índices desse nutriente no período que antecede a concepção².
É importante destacar que a combinação dos micronutrientes, em quantidade ideal, potencializa a ação dessas vitaminas e nutrientes. Por esse motivo, a suplementação é bem-vinda já aqui.
Cardápio em desequilíbrio
Além de modismos que empobrecem os pratos, a correria do cotidiano moderno resulta em dietas pouco nutritivas, daí esses déficits tão comuns.
Um dos maiores retratos sobre os hábitos brasileiros³, a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, revela que frutas e hortaliças têm perdido a vez para itens ultra processados, práticos e calóricos. O trabalho mostra que 90% da população não andam em dia com os níveis de vitaminas e sais minerais.
“Poucas pessoas têm a oportunidade de almoçar em casa, não sobra muito tempo para se dedicar à alimentação equilibrada, com espaço para adotar a recomendação do consumo diário que é de 200 a 400 gramas de vegetais”, lamenta nutrólogo Durval Ribas Filho, presidente da Associação Brasileira de Nutrologia, a ABRAN.
Assim os cardápios não contemplam uma quantidade satisfatória de substâncias preciosas para quem deseja engravidar. Ribas destaca alguns dos mais importantes, além dos já mencionados ácido fólico, B12 e ferro, são eles: zinco, vitamina D, cálcio e ômega-3 4. A mulher deve ter reservas apropriadas para que seu organismo não sofra depleções na gestação e para garantir que seu filho cresça saudável.
“É preciso analisar os hábitos alimentares e solicitar exames laboratoriais para estabelecer as dosagens corretas”, comenta o nutrólogo. Hoje as novas tecnologias permitem avaliar com muita segurança. Não faltam estudos que auxiliam nessa tarefa e evitam o risco de excessos.
O futuro papai também precisa estar atento quando o plano é aumentar a família. A ciência releva que munir-se de um bom aporte de nutrientes favorece a fertilidade. O zinco é um dos principais integrantes nesse contexto. Sua deficiência afeta as taxas de testosterona. Por outro lado, a suplementação favorece a contagem de espermatozoides4. A vitamina E e o selênio reforçam ainda mais essa atuação. 5
O ácido fólico é outro que faz toda a diferença para a espermatogênese 6 e, de quebra, ainda contribui para a integridade do material genético.
Com vocês, a epigética
Aliás, por falar nisso, dentro do conceito dos 1.100 dias, um dos pilares atende pelo nome de epigenética. São as respostas dos nossos genes aos efeitos do ambiente.
As análises observacionais do epidemiologista inglês David Barker (1938 – 2013) 7 ,8, 9 serviram de inspiração para definir a epigenética. “Barker foi um dos primeiros a afirmar que o recém-nascido de baixo peso é um candidato à obesidade com o passar dos anos”, relata Fonseca. Essa tendência se dá porque o organismo aprende a lidar, desde a fase intrauterina, com uma situação de escassez constante. Quando o feto não recebe nutrientes a contento, ele passa a utilizar qualquer ínfimo suprimento como reserva de energia. Ou seja, não desperdiça nada. E esse mecanismo de defesa favorece o acúmulo de quilos extras na infância e repercute com o passar dos anos.
Em contrapartida, durante as quarenta semanas da gestação, intervenções nutricionais efetivas resultam em efeitos duradouros e impactam pela vida toda.
Um componente em destaque
E um ingrediente tem se destacado em estudos por sua atuação em curto e longo prazo: o ômega-3 e especialmente sua denominação DHA (ácido docosahexaenóico). Trata-se de uma molécula do time das gorduras.
A partir do segundo trimestre de gestação, ocorre maior necessidade desse componente essencial. O DHA favorece o desenvolvimento do cérebro e da retina do bebê.
O ginecologista e obstetra Henri Korkes, professor do Departamento de Obstetrícia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) revela que há ainda estudos mostrando que o ômega-3 reduz o risco de parto prematuro10, 11. E já se sabe: quanto mais tempo o bebê ficar no ventre materno, menor a chance de intercorrências.
“O ideal é que se ultrapassem, ao menos, 37 semanas de gestação”, diz Korkes. É que a partir dessa fase, os órgãos estão maduros e a criança já vai estar preparada para respirar e se alimentar fora do útero. A tendência é de que seu peso e tamanho também estejam adequados, o que, inclusive, pode afastar a obesidade futuramente.
A substância é encontrada em peixes de águas frias, como o atum e o salmão. Mas esses pescados não frequentam o cardápio brasileiro do dia a dia. Por isso, órgãos médicos, como a Associação Brasileira de Nutrologia, recomenda a suplementação.
Também deve ter seu lugar garantido no pós-parto. Há indícios de ganhos cognitivos ao bebê que recebe leite materno com doses adequadas de DHA.12
Uma aliada dos ossos
Outro nutriente que precisa marcar presença antes, durante e depois da gravidez, é a vitamina D.
Ao longo dos nove meses de gestação, não restam dúvidas sobre a importância do nutriente na formação do esqueleto da criança. “Existem ainda trabalhos robustos sobre a ligação entre a vitamina D e a redução do risco de asma”, comenta o ginecologista e obstetra Luciano de Melo Pompei, livre-docente da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e professor da Faculdade de Medicina do ABC.
Uma pesquisa, publicada no periódico científico JAMA, mostra que a suplementação na gravidez diminui a probabilidade de os bebês apresentarem sibilos respiratórios13. A reconhecida atuação em prol do sistema imunológico ajuda a explicar esse efeito.
Não à toa, os especialistas indicam suplementos. As doses podem variar de 400 a 2000 UI por dia. “São realizados exames para estipular as necessidades de acordo com a paciente”, diz Pompei.
Após o nascimento do bebê a recomendação continua. Nesse período ocorrem baixas hormonais que podem favorecer a perda óssea da mãe.
O cuidado com a nutrição deve se estender para garantir seu bem-estar. Muitas vezes após o parto, o foco se volta ao novo integrante da família, e o cuidado com a mulher muitas vezes acaba negligenciado.
Além de todo o apoio emocional, especialmente para com aquelas que têm dificuldades para dar de mamar, elas precisam estar fortalecidas. O organismo da mamãe deve ser blindado, o que também é fundamental para garantir que seu leite seja mais nutritivo e que não falte nenhum dos ingredientes indispensáveis ao filho.
Afinal, são 1.100 dias que vão moldar toda uma vida.
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