O transporte público no Brasil é desde sempre o vilão de tudo. Sempre que acontece algo de ruim no país, a culpa é do ônibus. Quando acontece algum crime em um determinado bairro, a população queima um ou mais ônibus. Quando alguém é atropelado em um corredor, a culpa sempre é do ônibus, nunca do pedestre, independente da circunstância. Na pandemia do novo Coronavirus, não poderia ser diferente.
É sabido que Campinas passa por uma ingerência muito grande no setor de transportes pelo menos há 24 anos, quando a administração da época praticamente faliu o setor ao entupir a cidade com milhares de perueiros clandestinos, justificando que os ônibus eram ruins e precisavam de concorrência.
Desde então, o transporte em Campinas nunca mais foi o mesmo, com apenas alguns tempos de pouca melhoria. Naquela época, o transporte realmente estava de péssima qualidade, mas haviam Kombis enferrujadas, caindo aos pedaços, e andando abarrotadas de gente, quase que uma pessoa no colo da outra, mas ninguém reclamava, pois passava toda hora e algumas ainda deixavam na porta de casa.
Hoje, Campinas enfrenta uma situação bastante adversa e a secretaria de transportes tem até feito um trabalho razoável, se comparado com a administração anterior, que praticamente engessou a Emdec e fechou as portas e os olhos para a realidade.
Quando a pandemia do novo coronavirus começou, há pouco mais de um ano, o transporte coletivo começou a operar com horários reduzidos. Várias linhas foram paralisadas e as que sobraram tiveram corte na frota. A administração disso foi patética, já que a Emdec estava mais perdida do que cego em tiroteio. Paralelamente a isso, emissoras de televisão continuavam a mostrar vídeos de ônibus lotados com o intuito de angariar mais “likes” nas redes sociais, pois nada mudou e a Emdec não cedeu em absolutamente nada, pois dizia que estava certa e que não havia necessidade nenhuma de ampliar a frota.
Mais tarde, já na fase verde do Plano São Paulo e com os serviços voltando a funcionar, a frota foi pouco ampliada, mesmo com mais pessoas circulando pelas ruas. As lotações continuaram, mas os números continuavam não batendo. As coisas começaram a mudar apenas quando o novo prefeito assumiu.
O ODC teve acesso aos números de passageiros antes e depois da pandemia. De acordo com os dados enviados pela empresa, houve uma queda de mais de 70% no número de passageiros entre os meses de fevereiro e abril do ano passado, incluindo pagantes, gratuidades e escolares. Nessa época, a frota estava reduzida praticamente na mesma proporção.
Em 2021 a situação não ficou muito diferente em relação ao número de passageiros, porém a frota cresceu. Hoje, está nas ruas pouco mais de 60% dos ônibus que circularam até o último dia antes da pandemia, mas a redução no número de passageiros ainda circula perto dos 70%. Considerando a devida proporção, hoje há mais ônibus e lugares do que antes, mas de onde vem os ônibus lotados?
A emissora de televisão que gosta de divulgar vídeo de ônibus lotados não está interessada em ajudar os passageiros, e sim em ganhar mais seguidores nas redes sociais, tanto que não fez até agora nenhuma matéria para desvendar esse mistério sobre os ônibus lotados. Por isso, o ODC foi atrás disso e não foi nada difícil descobrir.
Em quase todos os casos mostrados na televisão, a superlotação aconteceu em situações adversas. O último caso mostrado na semana passada, sobre uma linha metropolitana, naquela ocasião houve um problema de ordem operacional específico naquele horário, que foi solucionado já na viagem seguinte pela empresa que opera a rota. A TV mostrou como se todos os horários daquela linha andassem abarrotados de gente.
Antes disso, a mesma emissora mostrou um ônibus da linha 396 lotado, mas disse que era da linha 386, provando que a TV sequer apura o que recebe. Se alguém enviar um vídeo de um ônibus lotado de Feira de Santana e dizer que é da linha 260, a emissora vai colocar no ar sem titubear, até porque o conhecimento de transporte ali é pífio, já que nem eles utilizam o serviço.
Mas voltando à questão central, vamos a um exemplo para tentar explicar o que acontece e descobrir de quem é a culpa. Considerando que Campinas tinha 1000 ônibus circulando e 100.000 pessoas utilizando eles, então eram 100 pessoas por coletivo. Se houve queda de 40% no número de ônibus e 70% no número de passageiros, são 600 ônibus para 30.000 passageiros, ou seja, 50 passageiros por ônibus. São apenas números de exemplos, mas e a superlotação, de onde vem?
A maioria desses passageiros estão concentrados em alguns horários de algumas linhas das horas de pico da manhã, quando as pessoas entram para o trabalho, e no pico da tarde, quando vão para casa. Entre esses horários, os ônibus andam vazios, tanto que não há reclamações de superlotação ao meio-dia, por exemplo.
O Governo do Estado pediu encarecidamente que os setores em funcionamento fizessem um escalonamento nas horas de entrada e saída, justamente para diminuir a superlotação nessas viagens de maior movimento, ou seja, cada grupo começaria a trabalhar em um determinado horário, assim os ônibus iriam mais vazios, mas ninguém se preocupou em fazer isso.
Na semana passada a equipe do ODC passou por alguns terminais localizados no eixo da Avenida John Boyd Dunlop, no pico da manhã, e constatou lotação nos ônibus articulados da linha 212, sentido Centro, porém havia algum problema operacional a ser verificado pela Emdec, pois em vários momentos passavam dois veículos da mesma linha em comboio, sendo que um lotado e outro vazio. Já a linha 229, que recebeu ônibus articulados, chegou a ter três coletivos andando em comboio, com lotação razoável em um dos veículos e outros dois vazios, e depois um longo tempo sem passar nada.
Nessas situações, a responsabilidade é da Emdec verificar o que ocorre, pois o comboio de ônibus não deve existir. Se passam dois ônibus juntos, é porque há algum problema operacional. Será que não poderiam colocar veículos semi-expressos e paradores, como vai ser no BRT, ao menos na hora de pico? Qual a vantagem em colocar ônibus completamente vazios e outros abarrotados de gente em uma mesma linha?
Não há falta de ônibus nas ruas, mas sim falta organização e uma redistribuição dos veículos em determinados horários, além de ajustes operacionais. Os fiscais nos terminais podem fazer isso, mas será que fazem?
Nesta semana o ODC vai voltar em alguns pontos da cidade na hora de pico para fazer o acompanhamento dos itinerários mais reclamados pelos passageiros.
Da Redação ODC.
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